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Mar

Mas veio até aqui e vai embora sem entrar no mar?

Não dá não, hoje de manhã tava bonito, ler, sentir um pouco da areia e da água fria, mas aquele vento com chuva esfriando, nem tirei a camisa, fui embora ao meio-dia.

Agora parou de chover né, como será que tá lá o mar? Abrindo a janela, sinto que a brisa não está fria agora de tarde, tá até um pouco quente, talvez? Eu preciso ir no mar.

É isso. Eu vou só com a chave no bolso. Chego num instante, a camisa pendurada num tronco de árvore, vou correr, vai esquentar meu corpo. Funciona, depois de ir até o fim da praia e voltar, nem sei o quanto vão doer as panturrilhas amanhã.

Suado, sedento pela imersão, vou entrando nesse batismo da natureza, de mim mesmo. Nem está gelada. A areia é estável sob meus pés, as ondas quebram regulares, me permitindo brincar com elas. Não fico muito, já satisfeito, retorno lentamente, a alma lavada.

Na areia de novo, me viro pro mar, o coração está comigo, ficou lá no mar, foi voando, já voltou. Não preciso fechar os olhos pra fazer essa oração, falo do que vem sem pensar, agradeço à terra por me parir, me sutentar, ao mar e sua água por me dar vida, ao vento por encher meus pulmões e ao fogo por me fazer correr. Agradeço à vida com a mesma nudez que estou.

Transbordo. Para o outro lado da praia fica o mato, o selvagem, é pra lá que preciso andar agora. Quero uma lembrança, algo que me ajude a guardar esse momento, talvez algo pra meu filho também. Lembro de alguém a quem quero contar isso tudo, mas ainda tem mais alguma coisa.

Essa árvore está à frente de todas as outras, desceu pra tomar banho de mar e ali ficou, as raízes flutam sobre a areia, será que ela está bem? Só pode estar, com tantas flores. Eu a acaricio, como é bela, o tronco coberto de líquens. Uma amendoeira, me explicam moradores. Me quebram um fruto pra me mostrar, eu como uma amêndoa, eu guardo ela comigo agora. Não trago nada, mas fico com tudo no peito.

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